sexta-feira, 24 de maio de 2013
A Cereja do Bolo
A Garota do Inverno - Capitulo 1
Flores. Foi a primeira coisa que ela notou
quando saiu pela primeira vez naquela manhã. Era bem raro verem flores por ali,
ainda mais com cores vivas como aquelas. Imaginava que eram as conseqüências da
chegada da primavera e, ainda que nunca tivesse sentido o cheiro doce das
flores, ficou feliz em vê-las. Tudo o que Lucy queria era descer até os jardins
cobertos de neve e colher as preciosidades que via pela janela. Mas é claro,
não podia. Sua porta era vigiada, todos os dias, todas as noites.
Principalmente naquele dia, o dia da Passagem. O Inverno estava acabando, era o
começo da Primavera e todos em Névoa estavam agitados. Era quase possível tocar
a magia no ar. Naquela noite haveria uma
festa em comemoração a troca do Globo, uma grande esfera que podia ver tudo que
acontecia no mundo dos mortais que ficava presa a um cajado que os feéricos de
toda Névoa chamavam de Bastão das Estações. Em mãos erradas, o artefato poderia
causar grandes danos. Por isso só os governadores de Névoa podiam tocá–lo.
Lucy
fechou os olhos, tirando as mãos da janela. Daria tudo o que tinha para poder
sair, sentir o vento, sentir a neve. Com um suspiro ela se dirigiu a porta, abrindo
uma fresta. Os guardas estavam ali, parados como estatuas de gelo. E ela não se
surpreenderia se soubesse que eram realmente estatuas de gelo, paradas ali
atentas a todos os seus movimentos. Um vento frio passou por ela e fechou a
porta com força. Leah estava observando.
O tempo passou devagar. A única coisa no
quarto além da cama era um espelho que materializava tudo que Lucy quisesse,
contanto que existisse no mundo dos mortais. Já tinha lido vários livros de
renomados autores mortais (a maioria já morta por Leanan sídhes), experimentado
todos os tipos de vestidos de marcas famosas e devorado alimentos mortais
engordativos. Quando ficava entediada, tentava pedir outras coisas para o
espelho, mas ele não atendia pedidos de coisas feitas de ferro, metal ou
eletrônicas. Isso já era mortal demais.
Quando
já estava anoitecendo bateram em sua porta. O dia passou mais devagar do que
qualquer outro. Ela se levantou, surpresa, e abriu–a devagar. Um dos guardas
que vigiavam o corredor estava parado ali, sem demonstrar nenhuma emoção, sem
olhar nenhuma vez para Lucy, disse como se estivesse programado para isso:
–
A Rainha deseja lhe ver, princesa.
–
M–me ver? Mas por quê?
–
A Rainha não precisa dar explicações para uma mestiça. Ela pede para que se
apresente a sala do Trono com roupas aceitáveis para uma Filha do Inverno. Eu
devo escoltá–la até o local. Isso é tudo.
O
guarda se postou em frente a porta de Lucy, de costas para ela. A garota fechou
a porta delicadamente e correu em direção ao guarda roupas. Ela era a filha
mestiça de Leah, a Rainha do Inverno e normalmente a mãe preferia ignorar sua
existência. Eram raras as ocasiões que ela se lembrava da garota que vivia em
uma das torres do castelo.
Colocou
um vestido azul–gelo com babados que pareciam flocos de neve, ela sempre usava
o mesmo quando Leah pedia para vê–la. Abriu a porta novamente, pensando se
devia comunicar ao guarda que estava pronta, mas assim que ele a viu começou a
andar por um corredor a direita. Lucy o seguiu depressa, tentando não olhar
para as estatuas que decoravam o castelo. Eram todas de humanos, mortais que
haviam irritado a Rainha e agora passavam seus anos eternos em Névoa como uma
estátua de gelo. Ela já estava ficando cansada da mesma paisagem, estatua de
gelo, estatua de gelo, estatua de gelo, quadro de pessoas congeladas, portas e
mais estatuas de gelo. Muita gente irritou Leah nos últimos séculos.
Finalmente
chegaram ao amplo salão em que ficavam os tronos. Eram cinco, distribuídos uniformemente.
Os únicos ocupados eram o do meio e o a sua esquerda. Leah, é claro, chamava
mais atenção do que tudo. Uma aura fria emoldurava a Rainha, deixando seu belo
rosto mais branco que a própria neve. Era linda. Linda como Lucy nunca iria
ser. O irmão mais velho dela, Alec, conversava com ar entediado com sua mãe.
Seus olhos se desviaram rapidamente para a irmã, parada ali esperando que
alguém percebesse sua presença. A atenção de Leah foi desviada para a mestiça
por apenas alguns segundos antes dela olhar para Alec novamente:
–
Pode ir, meu filho. E diga aos seus irmãos que não venham me interromper até a
Festa da Passagem. Obrigada.
Alec
saiu sem olhar novamente para Lucy. A
própria se aproximou do trono timidamente. A rainha olhava friamente para ela,
como se não passasse de um inseto em seus sapatos.
–
Talvez eu deva arranjar roupas novas para você, está sempre com o mesmo
vestido. Até nisso você continua a mesma, apesar de tudo, Lucia. – ela
suspirou. – Além de ser fraca demais. Inocente demais.
A
garota não olhou para cima nenhuma vez, apenas assentindo de cabeça baixa. Era
normal ela ser criticada antes da mãe ir realmente ao que interessava. Leah
batucou com os dedos no trono, pensativa. Ficou alguns minutos em silencio, até
finalmente suspirar:
–
Bem. Eu quero que você vá a Festa da Passagem essa noite...
Primeiro
Lucy ficou radiante. A ultima vez que se lembrava de ter saído de seu quarto
foi quando Alec anunciou o próprio noivado, mas aquela não foi uma data
comemorativa. Agora ela poderia sair durante a Festa da Passagem, a festa mais esperada de todo o reino. Não podia
ser verdade.
–...
Iremos anunciar o noivado de seu irmão, Ethan.
E
toda a felicidade se foi. Como tivesse murchado lentamente, Lucy sentiu o
choque, seguido da confusão e logo após toda a tristeza daquela noticia. Aquelas
palavras foram como facas entrando em seu coração. Ethan... Não. Ela precisava
se segurar. Não ia demonstrar emoções, não na frente de sua mãe, não as emoções
que nutria fortemente por seu irmão...
––//––
Ela
tinha nove anos, talvez menos, mas o importante é que ela era livre. Podia
entrar e sair do castelo a hora que quisesse. Podia conversar com quem
quisesse. As pessoas não olhavam para ela de modo estranho e nem faziam
perguntas. Era feliz.
Apenas
um dia de neve como todos os outros, Lucia estava sentada nas escadas dos
fundos do castelo, que davam para a cozinha. Observava os filhotes de lobos
correrem um atrás do outro, mordendo seus rabos e brincando de lutinha. Naquele
tempo, ela dormia no quarto das empregadas do castelo. Quem cuidava dela era
Kyrie, a velha elfa que servia o palácio a mais de quinhentos anos. Não que ela
fosse muito carinhosa, é claro. Sempre exigia muito de Lucy, sempre querendo
que ela fosse melhor. E quando não era os castigos eram grandes. Mas mesmo
assim Lucy a amava. Ela ajudava Kyrie e os outros serviçais da cozinha a fazer
o café de bom grato e depois era melhor ficar longe dos olhares da Elfa até a
hora do almoço, se não concerteza ela arranjaria um serviço pesado para ela. Nessas
horas normalmente Lucy ia até os jardins ou a cidade. Kyrie sempre a avisava
para tomar cuidado na cidade, porque ninguém era o que parecia ser e nem todos
tinham boas intenções. Mesmo com os avisos, ela ia até lá, mas ficava bem as
margens do local, o mais perto possível do castelo. Sabia que se decidisse se
arriscar a ir mais fundo, encontraria perigos inimagináveis para uma criança.
Ah,
doce ignorância. Ainda não sabia nada sobre ser uma bastarda, sequer sabia que
era filha de Leah. Kyrie tinha três regras: 1. Não faça perguntas 2. Obedeça as
ordens que lhe forem dadas e 3. Não confie em ninguém.
Ela
quebrou as três regras naquele dia.
Como
já dito, ela estava sentada nas escadas, observando os filhotes de lobo. A cada
cem anos novos lobos eram treinados para se tornarem guardas do castelo. Eles
falavam apenas quando precisos, preferindo comunicar–se entre si e os membros
da família real por pensamentos. Só aqueles com sangue real podiam entender a
mente dos lobos. E Lucy sentiu–se surpresa quando, naquele dia, pode ouvir tudo
o que os pequenos lobos estavam pensando. Suas mentes eram uma bagunça, como a
de qualquer criança, mas também havia disciplina e atenção. A garota se
aproximou cautelosamente, mas os animais logo perceberam sua presença e se
postaram em posição de ataque, rosnando. Lucy ficou branca e sentiu uma forte
dor de cabeça.
– Alex, Rose, Maxon, Koda,
Layla! Descansar! – Uma voz firme e
impaciente chamou.
Os
filhotes sentaram–se um ao lado do outro, como se fossem estatuas. Eles ainda
fuzilavam Lucy com o olhar, mas pareciam mais calmos.
Dois
garotos andavam em sua direção. Lucy pensou em correr de volta para a cozinha,
direto para os braços de Kyrie. Mas a Elfa ia criticá–la por ser tão covarde.
Não podia ser covarde quando era da corte do Inverno. Os garotos finalmente
pararam em frente a ela. O que havia dado o comando aos lobos era o mais velho,
devia ter por volta de quinze anos. Seus olhos cinzentos brilhavam como os
olhos de um predador e o frio ficou ainda mais acentuado com sua presença.
–
Você devia tomar mais cuidado por onde anda, garota. – disse, analisando–a de
cima a baixo. – Quem diabos é você?
Lucy
se curvou desajeitadamente, pois havia sido ensinada que era assim que se fazia
quando conhecia alguém mais velho.
–
Lucia, senhor. – ela respondeu, com os olhos nos pés do rapaz. – Mas, se não se
importar, gostaria que me chamasse de Lucy.
–
Lucia? – ele repetiu, desconfiado. – Lucia de que?
–
Ahm... – a menina se sentiu desconfortável.
– Eu não sei.
Atrás
dele o outro garoto riu. Lucy atreveu–se a olhar por cima do ombro do mais
velho para ver melhor o que havia rido. Seu coração disparou no mesmo momento.
Ele tinha olhos brilhantes, como o ferro de uma espada, e um sorriso sedutor.
Seus cabelos caiam sob os olhos, mas não eram lisos e escorridos como os do
outro. Além disso, apesar de parecer mais novo, ele era maior. Deveria ter em
torno de seus doze anos, levando em conta a espada de madeira que levava.
Espadas de verdade só eram permitidas a partir dos quinze. Lucy não conseguia
tirar os olhos do rapaz.
–
E de onde você veio, Lucia–sem–nome?
–
Eu sou ajudante da cozinha. – ela disse, sem tirar os olhos do outro garoto. –
Aprendiz de Kyrie.
Os
olhos dele finalmente relaxaram. Ele parecia mais terno agora e menos
ameaçador. Curvou–se diante dela e obrigou o outro garoto a fazer o mesmo. Lucy
sentiu seu rosto corar.
–
Eu sou Alec, primeiro filho da Rainha Leah, herdeiro do Trono do Inverno. E
este é meu irmão, Ethan.
Agora
sim Lucy sabia, estava encrencada.
Não sabia muito sobre a rainha, só que ela era uma mulher maldosa que não
ligava para seres inferiores. E aqueles eram os filhos dela. Se de alguma forma
comunicassem a mãe que ela havia agido com falta de respeito, estaria perdida.
Ethan
provavelmente viu o medo nos olhos dela, pois se adiantou, passando na frente
do irmão.
–
Não se preocupe, não vamos machucá–la. Estamos apenas seguindo os lobos,
tentando estabelecer uma conexão. Sabe como somos os próximos governantes do
trono, precisamos saber mais sobre os principais guerreiros da Corte... Se bem
que agora eles não parecem guerreiros. – ele piscou para os lobinhos, que
haviam voltado a correr atrás de seus próprios rabos. Quando olhou para Lucy de
novo, ficou um pouco vermelho. – Desculpe, eu falo muito.
Alec
suspirou e revirou os olhos, saindo de perto deles e indo observar os lobos
mais de perto. Ethan ficou em silencio, mas Lucy queria saber mais. Estava
curiosa quanto a vida fora da cozinha.
–
Eu posso te perguntar uma coisa? – perguntou, cautelosa.
–
Claro. – Ethan respondeu, sorrindo.
–
Você vive no castelo certo? Provavelmente já foi a todos os lugares.
–
É claro que sim. – ele sorriu orgulhoso de si mesmo, estufando o peito. – Se
não fosse corajoso e esperto o suficiente para isso, não teria ganhado de meu
mestre de armas uma espada da madeira mais forte e preciosa de Névoa, não acha?
Ele
bateu em sua espada de madeira presa a cintura. Lucy sorriu. Gostava do garoto.
Não era como os meninos da cidade, todos procurando forma de enganar e passá–la
para trás. Parecia ser sincero.
–
É claro. E eu nunca fui a algum lugar que não fosse os jardins ou a cozinha.
–
Irônico, pois eu nunca vim a estas partes do castelo. Elas não me interessam
muito. – ele deu de ombros.
–
Então... Como é a sala de trono? Você já foi a muitas festas? As mulheres usam
mesmo vestidos lindos de morrer? Já viu
o Bastão das Estações? – Lucy fez uma pausa. – Como... Como Leah é?
Ethan
riu da ansiedade da garota. Ele também estava muito interessado nela. Nunca
havia tido outra pessoa de sua idade com quem conversar se não o seu irmão. E
Alec não era o ser mais divertido do mundo, para falar a verdade. Aquela garota
esbanjava inocência e felicidade. Parecia desconhecer os perigos e as tristezas
da vida que Ethan, com apenas doze anos, já sabia.
–
Uma pergunta de cada vez, moça. – ele sorriu, brincando com a neve com os pés.
– Ahm... A sala do Trono não tem nada demais, só algumas cadeiras velhas mais
altas que eu e, acredite, bem mais altas que você.
Ele
estava obviamente implicando por Lucy ser baixinha. Ela ficou vermelha e
mostrou a língua para ele, num gesto de desafio. Ele riu e continuou a
explicação:
–
Já fui em muitas festas. Leah adora um espetáculo, ou um motivo para mostrar
quem manda aqui. Então sempre que pode organiza uma festa para a Elite da corte
do Inverno. Duques, Guardas de Honra e todo tipo de seres mágicos com alguma
influencia em Névoa são convidados para estas festas. Os vestidos das mulheres
são realmente incríveis, mas Alec repara mais nisso do que eu. Mas nós fomos
ensinados que, mesmo que a mulher seja a mais bela do reino, nós servimos a
Rainha e devemos eleger seu vestido como o mais belo da festa.
Lucy
sentiu um aperto. Devia ser ruim, ser praticamente submisso a rainha. Ao invés
de filhos, eles pareciam tão servos de Leah quanto ela. Ethan poderia não
perceber, mas Lucy sabia de muita coisa para uma menina de nove anos.
–
O bastão das estações é normal. – Ele começou a brincar com os dedos e a garota
admirou quando a neve abaixo deles começou a se mover e mudar, formando uma
espécie de bastão com uma bola no topo. – Algo como um galho com uma bola de
vidro em cima. Mas é claro, na Festa da Passagem, quando Leah ou Marie o tocam,
ele se torna a coisa mais bela do mundo.
Com
as mãos abertas, Ethan fez o bastão de neve que havia feito brilhar quase tanto
quanto o sol. Um vento frio bagunçou os cabelos de Lucy e a garota arfou. Já
havia visto feéricos do Inverno usando magia antes, mas nunca uma magia tão
forte e bela. Normalmente a magia do Inverno era usada para enganar, roubar ou
com intenção de matar. Nunca para formar algo bonito aos olhos.
–
Isso é incrível. – ela suspirou. – Sempre quis aprender a usar a Magia do
Inverno.
Alec
parou de brincar com os lobos e franziu as sobrancelhas. Ethan olhou para ela,
confuso. Ela mesma sentia que havia acabado de dizer alguma coisa errada.
–
Como assim? Todo feérico do Inverno sabe usar nossa Magia. – Alec disse.
–
Nós nascemos sabendo isso. – Ethan concordou.
–
Bem... – ela disse desconfortável. – Eu não. Nunca soube. Quando vejo a neve...
Só sinto frio.
Alec
e Ethan se entreolharam. Lucy novamente teve aquele sentimento de medo, vontade
de correr de volta para a cozinha e se esconder em algum canto. Lá os filhos de
Leah nunca iriam procurá–la.
–
Lucia... Mais cedo, quando chegamos, você estava se aproximando dos lobos. Por
quê?
Ela
se surpreendeu com a pergunta.
–
N–nada. Eu... Eu só queria ver eles melhor.
Ele
não pareceu acreditar. Ele se virou e saiu andando sem se despedir, os cães
atrás dele. Apenas Ethan ficou, olhando atentamente para ela, mas não com a
mesma atitude do irmão. Ele queria abraçá–la e dizer que Alec era um idiota.
Mas se conteve.
–
Você não vai embora também? – Lucy perguntou baixo.
–
Na verdade, – Ethan aproveitou a deixa. – eu acho que ainda te devo umas
respostas, moça.
Ele
sorriu para ela. E então os dois sentaram–se e conversaram por horas a fio.
Lucy perdeu todos os horários. Não apareceu para ajudar a fazer o almoço e nem
o café da tarde, assim quebrando a segunda regra. E talvez já tivesse quebrado
também a terceira. Depois de um tempo não era apenas ela que fazia perguntas,
mas Ethan também perguntava. O sol começava a se por quando ela se deu conta
desse fato. Ele era o primeiro amigo de verdade dela. Ela sentia que podia
confiar nele.
–
Ethan... Sobre os lobos... Eu, bem, estava conversando com eles.
–
O que? – O garoto engasgou. Lucy esperou ele se recuperar e dizer com um
sorriso: – Bem, isso não é possível, Lucy. Os lobos só conversam quando acham
muito importante.
–
Mas o caso... É que eu não conversei
com eles, entende? Eu meio que... Ouvi os pensamentos deles.
Ethan
arregalou os olhos. Mas logo seu olhar se tornou o mesmo de Alec mais cedo.
Desconfiado e ameaçador. Como o humor dele poderia mudar em tão pouco tempo?
–
Quem é você, Lucia? – ele sussurrou.
–
Como assim? Eu sou eu, Ethan. – foi uma resposta típica de uma garota de nove
anos.
–
Não. – Ethan balançou a cabeça. – Não é possível.
–
O que? – ela sentiu que a conversa se tornava perigosa. – Ethan, você tem que
jurar para mim que não vai contar para o Alec. É sério.
Naquela
época ela ainda não sabia o grande significado daquelas palavras. Jurar não era
algo tão simplório para os feéricos quanto era para os humanos. Mas Ethan sabia
e se retraiu ao ouvir a palavra.
–
Eu não posso. Desculpe, Lucia. Preciso entrar.
Regra
três quebrada.
Não
confie em ninguém.
––//––
Lucy
estava pronta. O vestido vermelho–sangue caia sob seu corpo levemente, como se
fosse feito de água e ar. As habilidades de tecelões dos feéricos do Inverno
eram as melhores, suas obras sempre eram relembradas durante anos em todas as
festas. Agora só precisava ir até o salão, seguida de perto pelo guarda. Dessa
vez as estatuas de gelo não a incomodaram, já que seu coração estava pesado
demais para notar. Ethan ia anunciar seu noivado esta noite. Com quem? Uma
Sídhe poderosa, provavelmente. Ele nunca nem teria pensado na idéia de que Lucy
gostasse dele... Talvez até o amasse. Não. Ela era sua meio irmã. Ele nunca
teria pensado naquilo.
O
salão já estava cheio. Lucy ficou nas sombras, observando o movimento. A Festa
da Passagem era o único momento em que feéricos do Inverno e do Verão se uniam
para celebrar. Anões, Elfos, Gnomos,
Ninfas, Sátiros, Dríades, Mouras, Leanan Sídhes, Pixies, entre outros. Na mesa
principal estavam os monarcas. Leah, a Rainha do Inverno, observando
atentamente os que dançavam no salão; Alec conversava baixo com sua amada
Aeryn, uma sídhe filha do Duke De Gelo; Marie, a Rainha do Verão, bem ao lado
de Morghen, seu marido. Não havia sinal de Ethan. Nem mesmo de sua futura
noiva. Talvez Leah tivesse se enganado.
–
Procurando alguém?
Lucy
quase saltou para fora do vestido. Ethan estava parado ao seu lado, observando
os casais dançarem. Havia um brilho divertido em seus olhos. Era encantador, do
mesmo jeito que era a quatro anos atrás.
–
Achei que você não viria. – ela sussurrou.
–
E perder uma noite tão especial assim? – Ele piscou para ela. – Afinal, não é
toda noite que Leah deixa sua filha bastarda vir a uma festa.
–
Tem razão. – resmungou, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha. – O que
deu nela?
–
Nunca se sabe o que passa pela cabeça de Leah.
Eles
ficaram em silencio por um tempo, apenas observando. Lucy estava mais que
consciente da proximidade de Ethan. Aquilo a lembrava do passado, quando ela, Ethan
e Alec eram apenas crianças despreocupadas. Naquela época Leah ainda não se
importava que ela saísse na vista de seus súditos. Para todos, Lucy era apenas
uma feérica normal. Mas não era verdade. A garota era filha da Rainha Do
Inverno com um bruxo das trevas, o que a tornava além de mestiça, uma bastarda.
Mas Ethan não se importava. Ele a amava. Como uma irmã, mas amava.
Não
era o que ela queria.
–
É verdade...? Sobre sua noiva?
Sem
olhar para ela, Ethan assentiu. Lucy queria muito abraçá–lo e sentir a proteção
de seus braços fortes, mas sabia que não podia.
–
O nome dela é Kayle. – ele informou. – Você vai gostar dela, Lucia. Ela... Ela
parece você.
O
que aquilo significava? Que ele gostava
de Lucy? Que sentia não poder tê–la para si, devido ao fato de serem irmãos? E
para isso precisava de uma substituta? Ela fantasiava as possibilidades, por
isso nem notou quando Leah se levantou. Todos no salão pararam de dançar e
prestaram atenção no que a Rainha ia dizer.
–
Obrigada a todos, meus súditos, por estarem aqui. Obrigada também aos da corte
de Lord Morghen , por prestarem suas honras. Ainda temos alguns minutos para
meia noite, quando a Passagem se inicia. Antes disso, gostaria de anunciar o
noivado de meu filho do meio, Ethan...
Ethan
se afastou de Lucy como se nunca estivesse ali. Os súditos davam passagem a
ele, quando parou em frente à mãe e se curvou num gesto de respeito.
–
Com Kayle, filha de Lord Patrick, das terras do sul.
Foi
então que Lucy viu Kayle. Ficou surpresa que não tivesse reparado nela antes.
Seu cabelo era cor de caramelo, brilhante e sedoso. Seus olhos brilhavam como
diamantes, azuis de um modo que o cinzento sem graça de Lucy nunca iria ser.
Era também mais alta, quase da altura de Ethan, e andava até o garoto com graça
e leveza que a outra nunca iria ter.
Era
demais para ela. Lucy desviou o olhar, mordendo os lábios para impedir as
lagrimas de caírem. Ethan agora era comprometido e não havia nada que ela
pudesse fazer. O salão ecoou em palmas educadas as quais ela não se juntou.
–
E agora, o momento esperado. – Leah sorriu, apesar de não parecer nem um pouco
contente. – A passagem do Bastão das Estações.
A
porta do grande salão foi aberta. Quatro pequenas crianças sídhe traziam o
bastão em uma almofada lilás. As leis eram claras: somente feéricos com sangue
real ou crianças podiam segurar o bastão.
As
crianças pararam em frente a mesa principal e curvaram–se. Eram treinadas para
isso. Pareciam robôs, fazendo tudo perfeitamente. O Rei Morghen sorria para elas quando sua esposa, Marie, se
levantou e dirigiu–se até o centro.
–
Obrigada, Lady Leah. – ela sorriu para a anfitriã, que matinha o mesmo sorriso estático
no rosto. – E na noite de hoje, que se inicie... A Primavera!
Ela
pegou o bastão delicadamente e ergueu para que todos pudessem vê–lo. No mesmo
instante em que deu meia noite no mundo dos mortais. Porem a explosão de cores
que todos esperavam não veio. A explosão de cores que Lucy esperava ver desde
que tinha nove anos. Tudo permaneceu do mesmo jeito. O sorriso de Morghen fraquejou. Leah ergueu as sobrancelhas,
chocada. E Marie, a rainha dos feéricos do Verão, ficava cada vez mais
vermelha. Parecia um vulcão prestes a explodir.
–
ULTRAGE! TRAIÇÃO! – Ela gritou, fuzilando Leah com o olhar. – COMO OUSA ME
DESAFIAR ASSIM?
A
rainha estava tão descontrolada que Lucy chegou a pensar em como Shakespeare
havia escolhido logo ela para aparecer em seus contos. Dava para ver que Kayle
reprimia um sorriso. Alec e Ethan não demonstravam emoções, mas o choque era
visível no rosto de Aeryn.
–
VOCÊ SABE O QUE ISSO SIGNIFICA, LEAH! – Marie esbravejou, jogando o bastão
falso no chão. Ele se desfez rapidamente, provando que era uma mera ilusão. –
GUERRA! ESTA NOITE EU DECLARO GUERRA A CORTE DO INVERNO.
E
foi assim que a festa acabou em briga. Os feéricos do Inverno logo partiram
para o ataque, mordendo e arranhando qualquer um que encontrasse pela frente.
Lucy se afastou um pouco, suspirando. Estava demorando para uma guerra
estourar. As cortes do Inverno e do Verão estavam sempre alfinetando uma a
outra, mas ela estava surpresa que Leah tivesse se rebaixado a isso.
Alguém
segurou seu braço delicadamente, arrastando–a para fora da briga. Ethan havia
se materializado ao lado dela e agora a levava para o seu quarto, na torre. Ele
não falou nada no caminho, nem quando Lucy perguntou timidamente se ele sabia o
que estava acontecendo.
Finalmente
chegaram ao seu quarto. Ele soltou o braço de Lucy e se virou para a parede,
batendo nela com força. Talvez precisasse apenas de um lugar para pensar com
calma. Lucy sentou–se na beirada da cama, observando o irmão. Estava perdida na
visão perfeita de Ethan com roupas de baile.
–
Leah não faria isso. Aposto meu nome que é armação. – ele disse de repente,
surpreendendo a garota.
–
Marie parecia estar falando sério. – ela sussurrou.
–
Marie gosta de um escândalo. Aposto que isso não passa de uma semana.
–
Você sabe onde está o Bastão?
Ethan
suspirou, relaxando os músculos. Ele olhou para Lucy com algo que ela não
conseguia identificar. Era muito difícil desvendar os sentimentos do rapaz.
Ela
ficou boquiaberta quando ele a puxou para seus braços, abraçando–a com força.
Ele não a tocava assim desde quando eles eram crianças e não se preocupavam com
ela ser uma mestiça e ele um príncipe. As lagrimas escorriam pelos olhos da
garota livremente enquanto ela se lembrava daquela época.
–
Lucia... Eu...
–
Você está noivo. – ela suspirou, sua voz cheia de dor e magoa.
Ethan
a soltou por tempo suficiente para olhá–la nos olhos. Eram bem parecidos. Ambos
tinham olhos cinzentos, mas ao sol os olhos dele poderiam parecer azuis, ou
prateados como sangue de unicórnio, enquanto os dela eram apenas cinzentos e
sem graça. Esse único minuto em que se olharam foi o bastante. Logo estavam
juntos, num beijo apaixonado. Lucy parou o beijo por um momento, apenas para
dizer:
–
Eu te amo, Ethan.
––//––
Semanas
se passaram. Lucy havia sido castigada por não ter comparecido aos deveres
daquele dia, ficando dois dias inteiros sem almoço e jantar. Só tinha o direito
de uma fruta no café da manhã e um copo de leite de cabra. Mas mesmo assim ela
estava feliz. Ethan vinha sempre visitá–la e parecia ter esquecido aquele
primeiro dia nos jardins. Eles se tornaram melhores amigo rápido e uma semana
antes do décimo aniversario de Lucy, ela percebeu que estava alimentando uma
paixonite por ele. Ethan nunca olharia para uma serviçal, é claro, mas eles
eram novos e não precisavam se preocupar com isso. Antes de dormir, ela gostava
de pensar nos abraços dele e em seu cheiro de menta quando chegavam muito perto
um do outro. Kyrie percebia que havia algo errado com a menina, mas não
comentou nada.
Um
dia Lucy foi surpreendida pela proposta de Ethan.
–
Você quer que eu te ensine a usar sua Magia?
–
O que?! Você faria isso? – ela pulou de animação.
–
É claro. – ele sorriu de lado. – Além do mais, um feérico sem Magia é quase
como um humano sem suas tralhas tecnológicas.
Ele
se mostrou um professor paciente e dedicado. E Lucy tentava, tentava mesmo, mas
não havia conseguido nunca mover nem um pouco de neve ou fazer o vento esfriar
com sua presença como Alec, nem mesmo lançar facas de gelo mortais pela mão
como Ethan.
–
Eu não entendo. – ele suspirava toda vez que uma tentativa fracassava.
–
Talvez eu simplesmente seja uma Troca.
– Não, nem pense nisso! – ele repreendeu. –
Você não é uma troca, Lucy, ouviu? Você é uma autentica feérica do Inverno. Eu
sei.
Ela
se sentiu feliz. Mesmo que não tivesse a Magia, se Ethan gostava dela tudo
valia a pena. Ficaram mais algumas semanas treinando sem nenhum sucesso. Em
desespero, ele acabou chamando Alec para ajudar. O irmão ficou observando as
tentativas de Lucy de fazer a neve assumir o formato de um gatinho e quando viu
que não ia dar em nada (mais de meia hora depois. Lucy se perguntava se ele
estava mesmo prestando atenção.)
–
A magia dela está Selada.
–
Selada? – os dois menores repetiram.
–
Sim. Ela é uma feérica do Inverno, claro, se não nem iria agüentar o frio aqui.
Mas alguém selou a magia dela.
–
Quem? – Ela disse com a voz alterada.
–
Bem, somente um Sídhe muito poderoso pode fazer isso. – Alec disse,
desconfiado. – Você tem irritado algum Sídhe ultimamente, Lucia?
Sídhes
eram os seres mais poderosos de toda Névoa. Normalmente eles que faziam parte
da Elite. Normalmente a maioria dos Sídhe eram elfos, mas também existiam as
Leanan Sídhe, os Cait Sídhe entre muitos outros. Os outros feéricos eram
completamente inferiores se comparados a eles.
–
Não! – ela gritou e depois lembrou–se com quem estava falando. – Quer dizer...
Eu nunca saio da cozinha. Como posso ter irritado um Sídhe?
–
Tem razão. – ele suspirou, derrotado. – Bem, talvez Leah possa ajudar. Podemos
te levar a ela...
Foi
a vez de Ethan ficar irritado.
–
Não, Alec. Lucia está bem. Não precisamos levá–la a Leah.
Alec
ergueu uma sobrancelha, obviamente se divertindo com a atitude do irmão.
–
É claro, maninho. Foi só uma sugestão. Mas se não quer levá–la a Leah, pode
esquecer de tentar ensiná–la a usar a Magia.
Alec
deu meia volta e voltou para a entrada do castelo. Ethan suspirou e abraçou
Lucy de lado, reconfortando–a. Ela nunca se sentia mais feliz do que quando
estava nos braços de Ethan.
–
Não precisamos te levar a Leah. – ele sussurrou, acariciando o topo da cabeça
dela.
– Por que não? Ela poderia tirar meu Selo.
Ele
sorriu e se afastou, bagunçando o cabelo dela.
–
Você faz perguntas demais, baixinha. É melhor tomar cuidado.
Ethan
não voltou no dia seguinte. Lucy ficou uma semana sem vê–lo e já estava ficando
preocupada quando ele finalmente resolveu aparecer. Ela estava com as mãos
sujas de chocolate, pois naquele dia faziam um bolo para a festa de aniversario
de um Duke de sabe se lá onde. Leah adorava essas extravagâncias.
Quando
já estava ajudando Kyrie a colocar cerejas ao redor do bolo, os guardas do
palácio entraram na cozinha sem nenhum aviso. Todos olharam para Kyrie, que
tinha ficado extremamente vermelha.
–
Como ousam invadir minha cozinha desse jeito? Não sabem que estamos ocupados?
–
Podemos invadir a cozinha a hora que quisermos. – um dos guardas disse.
–
Uma ova, Caleb! Eu te conheço desde que não era mais que um filhote de lobo! E
você, William, eu ajudei sua mãe a te criar! E vocês não vão me intimidar por
que agora vestem esses trajes idiotas de guardas
do Inverno, ou por que a Rainha Leah confia em vocês. Para mim, ainda são
bebês de fraudas! Agora, saiam daqui antes que eu jogue algo que vai fazer
vocês se coçarem até a rainha ter um novo filho!
Todos
na cozinha riram da declaração de Kyrie. A elfa podia ser velha, mas tinha a
língua mais afiada que qualquer espada daqueles guardas. Eles se entreolharam
desconfortáveis, um deles ficando tão vermelho quanto um pimentão.
–
D–desculpe, Kyrie.
–
Eu desculpo, mas saiam da minha cozinha que tenho trabalho a fazer!
–
A Rainha pediu para convocarmos sua aprendiz, Lucia. – o outro guarda disse
sombrio. – Ela quer vê–la.
Pela
primeira vez em muitos séculos, Kyrie perdeu a voz. Seus olhos cor de vinho se
arregalaram como dois pires. Ela sussurrou algo para si mesma e depois olhou
para os guardas sem nenhuma emoção nos olhos. Lucy não conseguia entender como
os seus semelhantes feéricos do Inverno faziam aquilo. Como eles escondiam tão
bem o que sentiam e conseguiam camuflar até a mais forte das emoções.
–
Ótimo. Avise a Rainha que eu mesma levarei Lucia.
–
Mas a Rainha...
–
Ah, que a Rainha pegue essas ordens e enfie no meio da...
Alguém
tapou os ouvidos de Lucy rapidamente. Não era certo uma garota de dez anos
ouvir aquilo. Mas ela já tinha ouvido coisas piores na cidade, de comerciantes
e das crianças.
Os
guardas pareciam mais constrangidos ainda, mas se retiraram sem dizer mais
nada. Kyrie se virou para o resto dos ajudantes de cozinha e disse num tom
autoritário:
–
Quero esse bolo perfeito quando eu voltar ouviram? Vamos ver se vocês conseguem
me impressionar, seus preguiçosos. E Lucia, venha comigo.
Lucy
limpou as mãos no avental e seguiu Kyrie. Ela a levou até o quarto dos
empregados, onde abriu um baú na beira de sua cama e tirou de lá um vestido
azul–gelo com babados que pareciam flocos de neve. Parecia um vestido de princesa.
–
Você tem que usar isso. – ela disse, sem olhar para a garota. – Agora vá se
lavar.
Ela
não demorou muito na água. Quando terminou, Kyrie a vestiu e penteou seus
cabelos. Até a cozinheira parecia mais apresentável, com seu melhor vestido e o
cabelo preso em um coque. Ela parecia extremamente simples perto de Lucy.
Os
corredores do castelo estavam vazios. Quanto mais chegava perto da sala do
trono, mais ela sentia frio. Ninguem olhava para elas ao passar, quase como se
fossem invisíveis.
–
O que a Rainha quer comigo? – Sussurrou depois de um tempo, com medo.
–
Eu não sei. – mas os olhos de Kyrie a traíram.
A
porta da Sala do Trono parecia ser enorme. Era pelo menos do tamanho de um
troll adulto. E toda incrustada de jóias. Lucy não conhecia Leah, mas só de ver
aquelas coisas já sabia como a Rainha deveria ser.
Ao
entrar se surpreendeu com Ethan sentado ao lado da mãe, em seu próprio trono.
Realmente era enorme, Ethan parecia extremamente pequeno sentado ali, enquanto
a poderosa rainha irradiava frieza. Ao perceber que Ethan não olhava para ela
foi que Lucy se deu conta de que alguma coisa estava errada. E foram as
próximas palavras de Leah que mudaram sua vida para sempre:
–
Olá, Lucia. Eu esperava que nunca tivéssemos que nos encontrar novamente. Mas o
que posso fazer... Assinei meu destino quando decidi deixar minha filha
bastarda morar no mesmo castelo que meus filhos.
––//––
Pela
primeira vez desde que se entendia por gente, Lucy já não sentia mais o
constante frio da fortaleza que chamava de morada. Não enquanto estava nos
braços de seu amado, deleitando–se em seus beijos quentes que deixavam sua pele
em chamas. De olhos fechados, ela podia sentir claramente onde os lábios de Ethan
tocavam–lhe o pescoço. Aquilo parecia mais um sonho. Tão bom, tão satisfatório,
tão... Errado.
Errado. A mente de Lucy começou
a gritar, tentando impedi–la de continuar com aquilo. Era mais que errado,
completamente fora das regras. Como havia se deixado levar por aquele momento?
Não acreditava que poderia ser tão burra.– Ethan... Não podemos... – ela tentou sussurrar, mas tudo que conseguiu foi um beijo rápido do outro, que tinha a intenção de calá–la.
E quase conseguiu. Aquela noite havia sido a mais confusa de toda a sua vida. Tudo aconteceram em questão de segundos. Lucy se entregou novamente ao rapaz, mas os pensamentos de alerta ainda passavam por sua mente. E ficaram mais intensos quando começou a ouvir passos vindos do corredor.
– Ethan, nós...
Sua frase foi interrompida pelo ranger da porta. Ethan pareceu finalmente tomar consciência de onde, com quem e o que estavam fazendo, mas foi tarde demais. Antes que pudesse tirar suas mãos dos ombros de Lucy, foi surpreendido por Kayle parada a porta com as mãos cobrindo a boca e os olhos arregalados de surpresa.
Soltando–a, ele deu um passo em direção a jovem na porta. Kayle porem tinha outras idéias, saindo correndo enquanto tinha tempo. Ethan cerrou os dentes, e bateu com força na parede. Precisava concertar aquilo. Assoviou baixo e em uma mistura de neve e ar frio, formou–se a figura de um lobo.
– Procure Kayle. Impeça–a de ver Leah. Agora. – ele praticamente rosnou as ordens.
O lobo fez uma reverencia exagerada e se desfez novamente. Sem olhar nem uma vez para checar se a irmã estava bem, ele saiu andando pelos corredores, em busca da noiva. Lucy caiu na cama, aturdida. Nem ela poderia dizer se estava bem. Não sabia mais o significado dessa palavra. Repassou a noite na mente enquanto arrumava as alças do vestido.
Havia uma festa. Leah a deixara sair da torre, talvez um milagre que não iria acontecer novamente tão cedo. Nessa festa anunciaram a nova noiva de Ethan. Até ai tudo bem... O cetro. O Bastão da Estação havia sido roubado naquela noite. Isso era mil vezes mais preocupante. Talvez, só talvez, Leah nem prestasse atenção no que Kayle tinha a dizer agora que tinha uma guerra nas mãos. E ela havia dito... Que amava Ethan! Ai Meus Deuses! Agora foi a vez de Lucy cobrir a boca com as mãos. Admitira que amava Ethan! Como isso podia estar acontecendo? Ela tinha que encontrá–lo para esclarecer tudo... Ela não podia amá–lo. Simplesmente não podia. Se Leah ouvisse aquilo, nem uma guerra deteria sua fúria...
Como se lesse seus pensamentos, um vento gelado cortante entrou pela porta, envolvendo a garota e deixando–a paralisada. Só tinha uma pessoa que poderia fazer aquilo, e ela estava parada em frente a Lucy, avaliando a garota com seu olhar penetrante e gélido. Atrás dela, na porta, Kayle sorria maliciosamente com Ethan a tiracolo.
Ele não havia conseguido impedi–la a tempo.
– Siga–me, Lucia. – Leah simplesmente disse, sem demonstrar emoção nenhuma no olhar.
Lucy evitou olhar o casal na porta quando passou atrás de Leah. Sentia as bochechas vermelhas só de pensar em Ethan e não queria trocar olhares com ele tão cedo. Mas o garoto assumia uma postura firme e um ar de indiferença enquanto a seguia com Kayle agarrada ao seu braço, se enroscando nele como uma víbora.
A Rainha do Inverno os levou até a sala do Trono. Não havia ninguém lá. Lucy podia ouvir as brigas vindas de fora do palácio, mas o local permanecia calmo e silencioso.
Leah se sentou em seu trono feito inteiramente de gelo. Parecia desconfortável, mas a rainha ainda não demonstrava nenhuma emoção. Apenas fitou Lucy com seu olhar frio como a neve. Todo o corpo da menina ficou gélido, como se Leah tivesse estendido a mão e tocado seu coração, espalhando o frio para o resto dos órgãos.
– Lucia, você sabe por que está aqui não sabe? – a rainha proferiu num tom monótono.
– Eu...
– Por favor, não me interrompa. O Corte do Inverno tem há anos se orgulhado de seus feitos, de seu passado, de nunca ter quebrado uma regra sequer do mundo mágico. Esta noite nosso nome foi manchado, e quando eu descobrir por quem, essa pessoa ira arrepender–se de estar respirando. – ela disse calmamente. – Porém, além disso, essa noite tive uma decepção com alguém de minha própria família. Ainda lembro quando, ha dezesseis anos, quando eu fui tentada por um ser maligno que me atraiu para sua caverna.
Lucy sabia. Conhecia aquele discurso de cor. Leah sempre o utilizava quando queria depreciar ou castigá–la de alguma forma. Ethan também já o conhecia, pois era a mesma coisa que a mãe dizia quando ele perguntava de Lucy. Para Kayle, porem, aquilo era novidade.
– A Rainha do Inverno não deveria cometer erros. Mas você, Lucia, foi o maior erro que eu já cometi. Não passa de uma bastarda ingrata. Eu deveria ter me livrado de você quando tive a chance. – ela suspirou dramaticamente. – Mas não. Eu quis mante–la aqui. Como criada, na cozinha, mas quis. E você não pode me culpar. Que mãe se orgulharia de uma filha que nem sabe tirar um simples selo? Não sei o que deu em mim quando considerei a idéia de chamá–la de filha.
Kayle inspirou e expirou rapidamente, até conseguir voltar seus olhos azuis gélidos para Lucy. Seu tom era de acusação e completamente venenoso:
– Então você e Ethan são...
– O que Lucia não percebeu é claro, – Leah disse, esboçando um de seus raros sorrisos que eram mais assustadores que sua cara fechada. – é que seu irmão não sente nada por ela. Nunca sentiu. Ela deixou–se levar por um mero sonho de criança. – os olhos de Lucy se encheram de lágrimas e ela olhou para Ethan em busca de uma reação negativa, mas o garoto nem prestava atenção nela. – Um membro de verdade da Corte do Inverno nunca deixa suas emoções ficarem no caminho. Eu te disse isso, Lucia, se você quisesse sobreviver aqui teria que pensar como uma de nós. Mas seus genes te impedem, te deixam fraca, e os Seres do Inverno atacam os mais fracos. Eles vão te envolver com jogos e palavras bonitas, e sentirão prazer com sua miséria. Não os deixem chegar até você. E não confie em ninguém.
– Não! – Lucy gritou, soluçando. – Não é verdade! Ethan...
– Diga a ela, meu filho.
Lucy lançou para ele um olhar suplicante. Ela não agüentaria mais uma facada no coração em menos de vinte e quatro horas.
– Ethan...
Ele olhou diretamente para ela e falou bem alto e claro, para que todos ali presentes ouvissem:
– Ela esta certa, Lucia. Eu não sinto nada por você. Os acontecimentos dessa noite não significaram nada.
Leah e Kayle sorriam maldosamente. Lucy sentiu seu coração se despedaçar. Não confie em ninguém. As palavras de Kyrie vieram a sua mente. Ela devia ter seguido essa regra enquanto tinha tempo.
– Viu Lucia? Agora, renuncie o seu amor e poderá escapar das conseqüências. – Leah quase cantarolou.
Ela não conseguia tirar os olhos de Ethan. O rapaz também a encarava, mas sem um pingo de ressentimento pelo o que dissera.
– Não. – ela soluçou. – Não... Eu não...
– Que assim seja. – Leah suspirou, não parecendo nem um pouco infeliz. – Lucia, sangue do meu sangue, você de hoje em diante está banida de Névoa. Até segunda ordem, deve permanecer no mundo dos Mortais, como uma Troca. Vivera como uma exilada e não poderá revelar sua condição a ninguém. Hoje eu, Leah rainha do Inverno, tiro seu selo para que possa usar seus poderes sem limitações.
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Eu preciso do próx. Capitulo *-*
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