sexta-feira, 24 de maio de 2013

A Cereja do Bolo

A Garota do Inverno - Capitulo 1 
Flores. Foi a primeira coisa que ela notou quando saiu pela primeira vez naquela manhã. Era bem raro verem flores por ali, ainda mais com cores vivas como aquelas. Imaginava que eram as conseqüências da chegada da primavera e, ainda que nunca tivesse sentido o cheiro doce das flores, ficou feliz em vê-las. Tudo o que Lucy queria era descer até os jardins cobertos de neve e colher as preciosidades que via pela janela. Mas é claro, não podia. Sua porta era vigiada, todos os dias, todas as noites. Principalmente naquele dia, o dia da Passagem. O Inverno estava acabando, era o começo da Primavera e todos em Névoa estavam agitados. Era quase possível tocar a magia no ar.  Naquela noite haveria uma festa em comemoração a troca do Globo, uma grande esfera que podia ver tudo que acontecia no mundo dos mortais que ficava presa a um cajado que os feéricos de toda Névoa chamavam de Bastão das Estações. Em mãos erradas, o artefato poderia causar grandes danos. Por isso só os governadores de Névoa podiam tocá–lo.
                Lucy fechou os olhos, tirando as mãos da janela. Daria tudo o que tinha para poder sair, sentir o vento, sentir a neve. Com um suspiro ela se dirigiu a porta, abrindo uma fresta. Os guardas estavam ali, parados como estatuas de gelo. E ela não se surpreenderia se soubesse que eram realmente estatuas de gelo, paradas ali atentas a todos os seus movimentos. Um vento frio passou por ela e fechou a porta com força. Leah estava observando.
                 O tempo passou devagar. A única coisa no quarto além da cama era um espelho que materializava tudo que Lucy quisesse, contanto que existisse no mundo dos mortais. Já tinha lido vários livros de renomados autores mortais (a maioria já morta por Leanan sídhes), experimentado todos os tipos de vestidos de marcas famosas e devorado alimentos mortais engordativos. Quando ficava entediada, tentava pedir outras coisas para o espelho, mas ele não atendia pedidos de coisas feitas de ferro, metal ou eletrônicas. Isso já era mortal demais.
                Quando já estava anoitecendo bateram em sua porta. O dia passou mais devagar do que qualquer outro. Ela se levantou, surpresa, e abriu–a devagar. Um dos guardas que vigiavam o corredor estava parado ali, sem demonstrar nenhuma emoção, sem olhar nenhuma vez para Lucy, disse como se estivesse programado para isso:
                – A Rainha deseja lhe ver, princesa.
                – M–me ver? Mas por quê?
                – A Rainha não precisa dar explicações para uma mestiça. Ela pede para que se apresente a sala do Trono com roupas aceitáveis para uma Filha do Inverno. Eu devo escoltá–la até o local. Isso é tudo.
                O guarda se postou em frente a porta de Lucy, de costas para ela. A garota fechou a porta delicadamente e correu em direção ao guarda roupas. Ela era a filha mestiça de Leah, a Rainha do Inverno e normalmente a mãe preferia ignorar sua existência. Eram raras as ocasiões que ela se lembrava da garota que vivia em uma das torres do castelo.
                Colocou um vestido azul–gelo com babados que pareciam flocos de neve, ela sempre usava o mesmo quando Leah pedia para vê–la. Abriu a porta novamente, pensando se devia comunicar ao guarda que estava pronta, mas assim que ele a viu começou a andar por um corredor a direita. Lucy o seguiu depressa, tentando não olhar para as estatuas que decoravam o castelo. Eram todas de humanos, mortais que haviam irritado a Rainha e agora passavam seus anos eternos em Névoa como uma estátua de gelo. Ela já estava ficando cansada da mesma paisagem, estatua de gelo, estatua de gelo, estatua de gelo, quadro de pessoas congeladas, portas e mais estatuas de gelo. Muita gente irritou Leah nos últimos séculos.
                Finalmente chegaram ao amplo salão em que ficavam os tronos. Eram cinco, distribuídos uniformemente. Os únicos ocupados eram o do meio e o a sua esquerda. Leah, é claro, chamava mais atenção do que tudo. Uma aura fria emoldurava a Rainha, deixando seu belo rosto mais branco que a própria neve. Era linda. Linda como Lucy nunca iria ser. O irmão mais velho dela, Alec, conversava com ar entediado com sua mãe. Seus olhos se desviaram rapidamente para a irmã, parada ali esperando que alguém percebesse sua presença. A atenção de Leah foi desviada para a mestiça por apenas alguns segundos antes dela olhar para Alec novamente:
                – Pode ir, meu filho. E diga aos seus irmãos que não venham me interromper até a Festa da Passagem. Obrigada.
                Alec saiu sem olhar novamente para Lucy.  A própria se aproximou do trono timidamente. A rainha olhava friamente para ela, como se não passasse de um inseto em seus sapatos.
                – Talvez eu deva arranjar roupas novas para você, está sempre com o mesmo vestido. Até nisso você continua a mesma, apesar de tudo, Lucia. – ela suspirou. – Além de ser fraca demais. Inocente demais.
                A garota não olhou para cima nenhuma vez, apenas assentindo de cabeça baixa. Era normal ela ser criticada antes da mãe ir realmente ao que interessava. Leah batucou com os dedos no trono, pensativa. Ficou alguns minutos em silencio, até finalmente suspirar:
                – Bem. Eu quero que você vá a Festa da Passagem essa noite...
                Primeiro Lucy ficou radiante. A ultima vez que se lembrava de ter saído de seu quarto foi quando Alec anunciou o próprio noivado, mas aquela não foi uma data comemorativa. Agora ela poderia sair durante a Festa da Passagem, a festa mais esperada de todo o reino. Não podia ser verdade.
                –... Iremos anunciar o noivado de seu irmão, Ethan.
                E toda a felicidade se foi. Como tivesse murchado lentamente, Lucy sentiu o choque, seguido da confusão e logo após toda a tristeza daquela noticia. Aquelas palavras foram como facas entrando em seu coração. Ethan... Não. Ela precisava se segurar. Não ia demonstrar emoções, não na frente de sua mãe, não as emoções que nutria fortemente por seu irmão...
––//––
                Ela tinha nove anos, talvez menos, mas o importante é que ela era livre. Podia entrar e sair do castelo a hora que quisesse. Podia conversar com quem quisesse. As pessoas não olhavam para ela de modo estranho e nem faziam perguntas. Era feliz.         
                Apenas um dia de neve como todos os outros, Lucia estava sentada nas escadas dos fundos do castelo, que davam para a cozinha. Observava os filhotes de lobos correrem um atrás do outro, mordendo seus rabos e brincando de lutinha. Naquele tempo, ela dormia no quarto das empregadas do castelo. Quem cuidava dela era Kyrie, a velha elfa que servia o palácio a mais de quinhentos anos. Não que ela fosse muito carinhosa, é claro. Sempre exigia muito de Lucy, sempre querendo que ela fosse melhor. E quando não era os castigos eram grandes. Mas mesmo assim Lucy a amava. Ela ajudava Kyrie e os outros serviçais da cozinha a fazer o café de bom grato e depois era melhor ficar longe dos olhares da Elfa até a hora do almoço, se não concerteza ela arranjaria um serviço pesado para ela. Nessas horas normalmente Lucy ia até os jardins ou a cidade. Kyrie sempre a avisava para tomar cuidado na cidade, porque ninguém era o que parecia ser e nem todos tinham boas intenções. Mesmo com os avisos, ela ia até lá, mas ficava bem as margens do local, o mais perto possível do castelo. Sabia que se decidisse se arriscar a ir mais fundo, encontraria perigos inimagináveis para uma criança.
                Ah, doce ignorância. Ainda não sabia nada sobre ser uma bastarda, sequer sabia que era filha de Leah. Kyrie tinha três regras: 1. Não faça perguntas 2. Obedeça as ordens que lhe forem dadas e 3. Não confie em ninguém.
                Ela quebrou as três regras naquele dia.
                Como já dito, ela estava sentada nas escadas, observando os filhotes de lobo. A cada cem anos novos lobos eram treinados para se tornarem guardas do castelo. Eles falavam apenas quando precisos, preferindo comunicar–se entre si e os membros da família real por pensamentos. Só aqueles com sangue real podiam entender a mente dos lobos. E Lucy sentiu–se surpresa quando, naquele dia, pode ouvir tudo o que os pequenos lobos estavam pensando. Suas mentes eram uma bagunça, como a de qualquer criança, mas também havia disciplina e atenção. A garota se aproximou cautelosamente, mas os animais logo perceberam sua presença e se postaram em posição de ataque, rosnando. Lucy ficou branca e sentiu uma forte dor de cabeça.
                – Alex, Rose, Maxon, Koda, Layla! Descansar! – Uma voz firme e impaciente chamou.
                Os filhotes sentaram–se um ao lado do outro, como se fossem estatuas. Eles ainda fuzilavam Lucy com o olhar, mas pareciam mais calmos.
                Dois garotos andavam em sua direção. Lucy pensou em correr de volta para a cozinha, direto para os braços de Kyrie. Mas a Elfa ia criticá–la por ser tão covarde. Não podia ser covarde quando era da corte do Inverno. Os garotos finalmente pararam em frente a ela. O que havia dado o comando aos lobos era o mais velho, devia ter por volta de quinze anos. Seus olhos cinzentos brilhavam como os olhos de um predador e o frio ficou ainda mais acentuado com sua presença.
                – Você devia tomar mais cuidado por onde anda, garota. – disse, analisando–a de cima a baixo. – Quem diabos é você?
                Lucy se curvou desajeitadamente, pois havia sido ensinada que era assim que se fazia quando conhecia alguém mais velho.
                – Lucia, senhor. – ela respondeu, com os olhos nos pés do rapaz. – Mas, se não se importar, gostaria que me chamasse de Lucy.
                – Lucia? – ele repetiu, desconfiado. – Lucia de que?
                – Ahm... – a menina se sentiu desconfortável.  – Eu não sei.
                Atrás dele o outro garoto riu. Lucy atreveu–se a olhar por cima do ombro do mais velho para ver melhor o que havia rido. Seu coração disparou no mesmo momento. Ele tinha olhos brilhantes, como o ferro de uma espada, e um sorriso sedutor. Seus cabelos caiam sob os olhos, mas não eram lisos e escorridos como os do outro. Além disso, apesar de parecer mais novo, ele era maior. Deveria ter em torno de seus doze anos, levando em conta a espada de madeira que levava. Espadas de verdade só eram permitidas a partir dos quinze. Lucy não conseguia tirar os olhos do rapaz.
                – E de onde você veio, Lucia–sem–nome?
                – Eu sou ajudante da cozinha. – ela disse, sem tirar os olhos do outro garoto. – Aprendiz de Kyrie.             
                Os olhos dele finalmente relaxaram. Ele parecia mais terno agora e menos ameaçador. Curvou–se diante dela e obrigou o outro garoto a fazer o mesmo. Lucy sentiu seu rosto corar.
                – Eu sou Alec, primeiro filho da Rainha Leah, herdeiro do Trono do Inverno. E este é meu irmão, Ethan.   
                Agora sim Lucy sabia, estava encrencada. Não sabia muito sobre a rainha, só que ela era uma mulher maldosa que não ligava para seres inferiores. E aqueles eram os filhos dela. Se de alguma forma comunicassem a mãe que ela havia agido com falta de respeito, estaria perdida.
                Ethan provavelmente viu o medo nos olhos dela, pois se adiantou, passando na frente do irmão.
                – Não se preocupe, não vamos machucá–la. Estamos apenas seguindo os lobos, tentando estabelecer uma conexão. Sabe como somos os próximos governantes do trono, precisamos saber mais sobre os principais guerreiros da Corte... Se bem que agora eles não parecem guerreiros. – ele piscou para os lobinhos, que haviam voltado a correr atrás de seus próprios rabos. Quando olhou para Lucy de novo, ficou um pouco vermelho. – Desculpe, eu falo muito.
                Alec suspirou e revirou os olhos, saindo de perto deles e indo observar os lobos mais de perto. Ethan ficou em silencio, mas Lucy queria saber mais. Estava curiosa quanto a vida fora da cozinha.
                – Eu posso te perguntar uma coisa? – perguntou, cautelosa.
                – Claro. – Ethan respondeu, sorrindo.
                – Você vive no castelo certo? Provavelmente já foi a todos os lugares.
                – É claro que sim. – ele sorriu orgulhoso de si mesmo, estufando o peito. – Se não fosse corajoso e esperto o suficiente para isso, não teria ganhado de meu mestre de armas uma espada da madeira mais forte e preciosa de Névoa, não acha?
                Ele bateu em sua espada de madeira presa a cintura. Lucy sorriu. Gostava do garoto. Não era como os meninos da cidade, todos procurando forma de enganar e passá–la para trás. Parecia ser sincero.
                – É claro. E eu nunca fui a algum lugar que não fosse os jardins ou a cozinha.
                – Irônico, pois eu nunca vim a estas partes do castelo. Elas não me interessam muito. – ele deu de ombros.
                – Então... Como é a sala de trono? Você já foi a muitas festas? As mulheres usam mesmo vestidos lindos de morrer?  Já viu o Bastão das Estações? – Lucy fez uma pausa. – Como... Como Leah é?
                Ethan riu da ansiedade da garota. Ele também estava muito interessado nela. Nunca havia tido outra pessoa de sua idade com quem conversar se não o seu irmão. E Alec não era o ser mais divertido do mundo, para falar a verdade. Aquela garota esbanjava inocência e felicidade. Parecia desconhecer os perigos e as tristezas da vida que Ethan, com apenas doze anos, já sabia.
                – Uma pergunta de cada vez, moça. – ele sorriu, brincando com a neve com os pés. – Ahm... A sala do Trono não tem nada demais, só algumas cadeiras velhas mais altas que eu e, acredite, bem mais altas que você.
                Ele estava obviamente implicando por Lucy ser baixinha. Ela ficou vermelha e mostrou a língua para ele, num gesto de desafio. Ele riu e continuou a explicação:
                – Já fui em muitas festas. Leah adora um espetáculo, ou um motivo para mostrar quem manda aqui. Então sempre que pode organiza uma festa para a Elite da corte do Inverno. Duques, Guardas de Honra e todo tipo de seres mágicos com alguma influencia em Névoa são convidados para estas festas. Os vestidos das mulheres são realmente incríveis, mas Alec repara mais nisso do que eu. Mas nós fomos ensinados que, mesmo que a mulher seja a mais bela do reino, nós servimos a Rainha e devemos eleger seu vestido como o mais belo da festa.
                Lucy sentiu um aperto. Devia ser ruim, ser praticamente submisso a rainha. Ao invés de filhos, eles pareciam tão servos de Leah quanto ela. Ethan poderia não perceber, mas Lucy sabia de muita coisa para uma menina de nove anos.
                – O bastão das estações é normal. – Ele começou a brincar com os dedos e a garota admirou quando a neve abaixo deles começou a se mover e mudar, formando uma espécie de bastão com uma bola no topo. – Algo como um galho com uma bola de vidro em cima. Mas é claro, na Festa da Passagem, quando Leah ou Marie o tocam, ele se torna a coisa mais bela do mundo.
                Com as mãos abertas, Ethan fez o bastão de neve que havia feito brilhar quase tanto quanto o sol. Um vento frio bagunçou os cabelos de Lucy e a garota arfou. Já havia visto feéricos do Inverno usando magia antes, mas nunca uma magia tão forte e bela. Normalmente a magia do Inverno era usada para enganar, roubar ou com intenção de matar. Nunca para formar algo bonito aos olhos.
                – Isso é incrível. – ela suspirou. – Sempre quis aprender a usar a Magia do Inverno.
                Alec parou de brincar com os lobos e franziu as sobrancelhas. Ethan olhou para ela, confuso. Ela mesma sentia que havia acabado de dizer alguma coisa errada.
                – Como assim? Todo feérico do Inverno sabe usar nossa Magia. – Alec disse.
                – Nós nascemos sabendo isso. – Ethan concordou.
                – Bem... – ela disse desconfortável. – Eu não. Nunca soube. Quando vejo a neve... Só sinto frio.
                Alec e Ethan se entreolharam. Lucy novamente teve aquele sentimento de medo, vontade de correr de volta para a cozinha e se esconder em algum canto. Lá os filhos de Leah nunca iriam procurá–la.
                – Lucia... Mais cedo, quando chegamos, você estava se aproximando dos lobos. Por quê?
                Ela se surpreendeu com a pergunta.
                – N–nada. Eu... Eu só queria ver eles melhor.
                Ele não pareceu acreditar. Ele se virou e saiu andando sem se despedir, os cães atrás dele. Apenas Ethan ficou, olhando atentamente para ela, mas não com a mesma atitude do irmão. Ele queria abraçá–la e dizer que Alec era um idiota. Mas se conteve.
                – Você não vai embora também? – Lucy perguntou baixo.
                – Na verdade, – Ethan aproveitou a deixa. – eu acho que ainda te devo umas respostas, moça.
                Ele sorriu para ela. E então os dois sentaram–se e conversaram por horas a fio. Lucy perdeu todos os horários. Não apareceu para ajudar a fazer o almoço e nem o café da tarde, assim quebrando a segunda regra. E talvez já tivesse quebrado também a terceira. Depois de um tempo não era apenas ela que fazia perguntas, mas Ethan também perguntava. O sol começava a se por quando ela se deu conta desse fato. Ele era o primeiro amigo de verdade dela. Ela sentia que podia confiar nele.
                – Ethan... Sobre os lobos... Eu, bem, estava conversando com eles.
                – O que? – O garoto engasgou. Lucy esperou ele se recuperar e dizer com um sorriso: – Bem, isso não é possível, Lucy. Os lobos só conversam quando acham muito importante.
                – Mas o caso... É que eu não conversei com eles, entende? Eu meio que... Ouvi os pensamentos deles.
                Ethan arregalou os olhos. Mas logo seu olhar se tornou o mesmo de Alec mais cedo. Desconfiado e ameaçador. Como o humor dele poderia mudar em tão pouco tempo?
                – Quem é você, Lucia? – ele sussurrou.
                – Como assim? Eu sou eu, Ethan. – foi uma resposta típica de uma garota de nove anos.
                – Não. – Ethan balançou a cabeça. – Não é possível.
                – O que? – ela sentiu que a conversa se tornava perigosa. – Ethan, você tem que jurar para mim que não vai contar para o Alec. É sério.
                Naquela época ela ainda não sabia o grande significado daquelas palavras. Jurar não era algo tão simplório para os feéricos quanto era para os humanos. Mas Ethan sabia e se retraiu ao ouvir a palavra.
                – Eu não posso. Desculpe, Lucia. Preciso entrar.
                Regra três quebrada.
                Não confie em ninguém.
––//––
                Lucy estava pronta. O vestido vermelho–sangue caia sob seu corpo levemente, como se fosse feito de água e ar. As habilidades de tecelões dos feéricos do Inverno eram as melhores, suas obras sempre eram relembradas durante anos em todas as festas. Agora só precisava ir até o salão, seguida de perto pelo guarda. Dessa vez as estatuas de gelo não a incomodaram, já que seu coração estava pesado demais para notar. Ethan ia anunciar seu noivado esta noite. Com quem? Uma Sídhe poderosa, provavelmente. Ele nunca nem teria pensado na idéia de que Lucy gostasse dele... Talvez até o amasse. Não. Ela era sua meio irmã. Ele nunca teria pensado naquilo.
                O salão já estava cheio. Lucy ficou nas sombras, observando o movimento. A Festa da Passagem era o único momento em que feéricos do Inverno e do Verão se uniam para celebrar.  Anões, Elfos, Gnomos, Ninfas, Sátiros, Dríades, Mouras, Leanan Sídhes, Pixies, entre outros. Na mesa principal estavam os monarcas. Leah, a Rainha do Inverno, observando atentamente os que dançavam no salão; Alec conversava baixo com sua amada Aeryn, uma sídhe filha do Duke De Gelo; Marie, a Rainha do Verão, bem ao lado de Morghen, seu marido. Não havia sinal de Ethan. Nem mesmo de sua futura noiva. Talvez Leah tivesse se enganado.
                – Procurando alguém?
                Lucy quase saltou para fora do vestido. Ethan estava parado ao seu lado, observando os casais dançarem. Havia um brilho divertido em seus olhos. Era encantador, do mesmo jeito que era a quatro anos atrás.
                – Achei que você não viria. – ela sussurrou.
                – E perder uma noite tão especial assim? – Ele piscou para ela. – Afinal, não é toda noite que Leah deixa sua filha bastarda vir a uma festa.
                – Tem razão. – resmungou, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha. – O que deu nela?
                – Nunca se sabe o que passa pela cabeça de Leah.
                Eles ficaram em silencio por um tempo, apenas observando. Lucy estava mais que consciente da proximidade de Ethan. Aquilo a lembrava do passado, quando ela, Ethan e Alec eram apenas crianças despreocupadas. Naquela época Leah ainda não se importava que ela saísse na vista de seus súditos. Para todos, Lucy era apenas uma feérica normal. Mas não era verdade. A garota era filha da Rainha Do Inverno com um bruxo das trevas, o que a tornava além de mestiça, uma bastarda. Mas Ethan não se importava. Ele a amava. Como uma irmã, mas amava.
                Não era o que ela queria.
                – É verdade...? Sobre sua noiva?
                Sem olhar para ela, Ethan assentiu. Lucy queria muito abraçá–lo e sentir a proteção de seus braços fortes, mas sabia que não podia.
                – O nome dela é Kayle. – ele informou. – Você vai gostar dela, Lucia. Ela... Ela parece você.
                O que aquilo significava?  Que ele gostava de Lucy? Que sentia não poder tê–la para si, devido ao fato de serem irmãos? E para isso precisava de uma substituta? Ela fantasiava as possibilidades, por isso nem notou quando Leah se levantou. Todos no salão pararam de dançar e prestaram atenção no que a Rainha ia dizer.
                – Obrigada a todos, meus súditos, por estarem aqui. Obrigada também aos da corte de Lord Morghen , por prestarem suas honras. Ainda temos alguns minutos para meia noite, quando a Passagem se inicia. Antes disso, gostaria de anunciar o noivado de meu filho do meio, Ethan...
                Ethan se afastou de Lucy como se nunca estivesse ali. Os súditos davam passagem a ele, quando parou em frente à mãe e se curvou num gesto de respeito.
                – Com Kayle, filha de Lord Patrick, das terras do sul.
                Foi então que Lucy viu Kayle. Ficou surpresa que não tivesse reparado nela antes. Seu cabelo era cor de caramelo, brilhante e sedoso. Seus olhos brilhavam como diamantes, azuis de um modo que o cinzento sem graça de Lucy nunca iria ser. Era também mais alta, quase da altura de Ethan, e andava até o garoto com graça e leveza que a outra nunca iria ter.
                Era demais para ela. Lucy desviou o olhar, mordendo os lábios para impedir as lagrimas de caírem. Ethan agora era comprometido e não havia nada que ela pudesse fazer. O salão ecoou em palmas educadas as quais ela não se juntou.
                – E agora, o momento esperado. – Leah sorriu, apesar de não parecer nem um pouco contente. – A passagem do Bastão das Estações.
                A porta do grande salão foi aberta. Quatro pequenas crianças sídhe traziam o bastão em uma almofada lilás. As leis eram claras: somente feéricos com sangue real ou crianças podiam segurar o bastão.
                As crianças pararam em frente a mesa principal e curvaram–se. Eram treinadas para isso. Pareciam robôs, fazendo tudo perfeitamente. O Rei Morghen  sorria para elas quando sua esposa, Marie, se levantou e dirigiu–se até o centro.
                – Obrigada, Lady Leah. – ela sorriu para a anfitriã, que matinha o mesmo sorriso estático no rosto. – E na noite de hoje, que se inicie... A Primavera!
                Ela pegou o bastão delicadamente e ergueu para que todos pudessem vê–lo. No mesmo instante em que deu meia noite no mundo dos mortais. Porem a explosão de cores que todos esperavam não veio. A explosão de cores que Lucy esperava ver desde que tinha nove anos. Tudo permaneceu do mesmo jeito. O sorriso de Morghen  fraquejou. Leah ergueu as sobrancelhas, chocada. E Marie, a rainha dos feéricos do Verão, ficava cada vez mais vermelha. Parecia um vulcão prestes a explodir.
                – ULTRAGE! TRAIÇÃO! – Ela gritou, fuzilando Leah com o olhar. – COMO OUSA ME DESAFIAR ASSIM?
                A rainha estava tão descontrolada que Lucy chegou a pensar em como Shakespeare havia escolhido logo ela para aparecer em seus contos. Dava para ver que Kayle reprimia um sorriso. Alec e Ethan não demonstravam emoções, mas o choque era visível no rosto de Aeryn.
                – VOCÊ SABE O QUE ISSO SIGNIFICA, LEAH! – Marie esbravejou, jogando o bastão falso no chão. Ele se desfez rapidamente, provando que era uma mera ilusão. – GUERRA! ESTA NOITE EU DECLARO GUERRA A CORTE DO INVERNO.
                E foi assim que a festa acabou em briga. Os feéricos do Inverno logo partiram para o ataque, mordendo e arranhando qualquer um que encontrasse pela frente. Lucy se afastou um pouco, suspirando. Estava demorando para uma guerra estourar. As cortes do Inverno e do Verão estavam sempre alfinetando uma a outra, mas ela estava surpresa que Leah tivesse se rebaixado a isso.
                Alguém segurou seu braço delicadamente, arrastando–a para fora da briga. Ethan havia se materializado ao lado dela e agora a levava para o seu quarto, na torre. Ele não falou nada no caminho, nem quando Lucy perguntou timidamente se ele sabia o que estava acontecendo.
                Finalmente chegaram ao seu quarto. Ele soltou o braço de Lucy e se virou para a parede, batendo nela com força. Talvez precisasse apenas de um lugar para pensar com calma. Lucy sentou–se na beirada da cama, observando o irmão. Estava perdida na visão perfeita de Ethan com roupas de baile.
                – Leah não faria isso. Aposto meu nome que é armação. – ele disse de repente, surpreendendo a garota.
                – Marie parecia estar falando sério. – ela sussurrou.
                – Marie gosta de um escândalo. Aposto que isso não passa de uma semana.
                – Você sabe onde está o Bastão?
                Ethan suspirou, relaxando os músculos. Ele olhou para Lucy com algo que ela não conseguia identificar. Era muito difícil desvendar os sentimentos do rapaz.
                Ela ficou boquiaberta quando ele a puxou para seus braços, abraçando–a com força. Ele não a tocava assim desde quando eles eram crianças e não se preocupavam com ela ser uma mestiça e ele um príncipe. As lagrimas escorriam pelos olhos da garota livremente enquanto ela se lembrava daquela época.
                – Lucia... Eu...
                – Você está noivo. – ela suspirou, sua voz cheia de dor e magoa.          
                Ethan a soltou por tempo suficiente para olhá–la nos olhos. Eram bem parecidos. Ambos tinham olhos cinzentos, mas ao sol os olhos dele poderiam parecer azuis, ou prateados como sangue de unicórnio, enquanto os dela eram apenas cinzentos e sem graça. Esse único minuto em que se olharam foi o bastante. Logo estavam juntos, num beijo apaixonado. Lucy parou o beijo por um momento, apenas para dizer:
                – Eu te amo, Ethan.
––//––
                Semanas se passaram. Lucy havia sido castigada por não ter comparecido aos deveres daquele dia, ficando dois dias inteiros sem almoço e jantar. Só tinha o direito de uma fruta no café da manhã e um copo de leite de cabra. Mas mesmo assim ela estava feliz. Ethan vinha sempre visitá–la e parecia ter esquecido aquele primeiro dia nos jardins. Eles se tornaram melhores amigo rápido e uma semana antes do décimo aniversario de Lucy, ela percebeu que estava alimentando uma paixonite por ele. Ethan nunca olharia para uma serviçal, é claro, mas eles eram novos e não precisavam se preocupar com isso. Antes de dormir, ela gostava de pensar nos abraços dele e em seu cheiro de menta quando chegavam muito perto um do outro. Kyrie percebia que havia algo errado com a menina, mas não comentou nada.
                Um dia Lucy foi surpreendida pela proposta de Ethan.
                – Você quer que eu te ensine a usar sua Magia?
                – O que?! Você faria isso? – ela pulou de animação.
                – É claro. – ele sorriu de lado. – Além do mais, um feérico sem Magia é quase como um humano sem suas tralhas tecnológicas.
                Ele se mostrou um professor paciente e dedicado. E Lucy tentava, tentava mesmo, mas não havia conseguido nunca mover nem um pouco de neve ou fazer o vento esfriar com sua presença como Alec, nem mesmo lançar facas de gelo mortais pela mão como Ethan.
                – Eu não entendo. – ele suspirava toda vez que uma tentativa fracassava.
                – Talvez eu simplesmente seja uma Troca.
                 – Não, nem pense nisso! – ele repreendeu. – Você não é uma troca, Lucy, ouviu? Você é uma autentica feérica do Inverno. Eu sei.
                Ela se sentiu feliz. Mesmo que não tivesse a Magia, se Ethan gostava dela tudo valia a pena. Ficaram mais algumas semanas treinando sem nenhum sucesso. Em desespero, ele acabou chamando Alec para ajudar. O irmão ficou observando as tentativas de Lucy de fazer a neve assumir o formato de um gatinho e quando viu que não ia dar em nada (mais de meia hora depois. Lucy se perguntava se ele estava mesmo prestando atenção.)
                – A magia dela está Selada.
                – Selada? – os dois menores repetiram.
                – Sim. Ela é uma feérica do Inverno, claro, se não nem iria agüentar o frio aqui. Mas alguém selou a magia dela.
                – Quem? – Ela disse com a voz alterada.
                – Bem, somente um Sídhe muito poderoso pode fazer isso. – Alec disse, desconfiado. – Você tem irritado algum Sídhe ultimamente, Lucia?
                Sídhes eram os seres mais poderosos de toda Névoa. Normalmente eles que faziam parte da Elite. Normalmente a maioria dos Sídhe eram elfos, mas também existiam as Leanan Sídhe, os Cait Sídhe entre muitos outros. Os outros feéricos eram completamente inferiores se comparados a eles.
                – Não! – ela gritou e depois lembrou–se com quem estava falando. – Quer dizer... Eu nunca saio da cozinha. Como posso ter irritado um Sídhe?
                – Tem razão. – ele suspirou, derrotado. – Bem, talvez Leah possa ajudar. Podemos te levar a ela...
                Foi a vez de Ethan ficar irritado.
                – Não, Alec. Lucia está bem. Não precisamos levá–la a Leah.
                Alec ergueu uma sobrancelha, obviamente se divertindo com a atitude do irmão.
                – É claro, maninho. Foi só uma sugestão. Mas se não quer levá–la a Leah, pode esquecer de tentar ensiná–la a usar a Magia. 
                Alec deu meia volta e voltou para a entrada do castelo. Ethan suspirou e abraçou Lucy de lado, reconfortando–a. Ela nunca se sentia mais feliz do que quando estava nos braços de Ethan.
                – Não precisamos te levar a Leah. – ele sussurrou, acariciando o topo da cabeça dela.
                 – Por que não? Ela poderia tirar meu Selo.
                Ele sorriu e se afastou, bagunçando o cabelo dela.
                – Você faz perguntas demais, baixinha. É melhor tomar cuidado.
                Ethan não voltou no dia seguinte. Lucy ficou uma semana sem vê–lo e já estava ficando preocupada quando ele finalmente resolveu aparecer. Ela estava com as mãos sujas de chocolate, pois naquele dia faziam um bolo para a festa de aniversario de um Duke de sabe se lá onde. Leah adorava essas extravagâncias.
                Quando já estava ajudando Kyrie a colocar cerejas ao redor do bolo, os guardas do palácio entraram na cozinha sem nenhum aviso. Todos olharam para Kyrie, que tinha ficado extremamente vermelha.
                – Como ousam invadir minha cozinha desse jeito? Não sabem que estamos ocupados?
                – Podemos invadir a cozinha a hora que quisermos. – um dos guardas disse.
                – Uma ova, Caleb! Eu te conheço desde que não era mais que um filhote de lobo! E você, William, eu ajudei sua mãe a te criar! E vocês não vão me intimidar por que agora vestem esses trajes idiotas de guardas do Inverno, ou por que a Rainha Leah confia em vocês. Para mim, ainda são bebês de fraudas! Agora, saiam daqui antes que eu jogue algo que vai fazer vocês se coçarem até a rainha ter um novo filho!
                Todos na cozinha riram da declaração de Kyrie. A elfa podia ser velha, mas tinha a língua mais afiada que qualquer espada daqueles guardas. Eles se entreolharam desconfortáveis, um deles ficando tão vermelho quanto um pimentão.
                – D–desculpe, Kyrie.
                – Eu desculpo, mas saiam da minha cozinha que tenho trabalho a fazer!
                – A Rainha pediu para convocarmos sua aprendiz, Lucia. – o outro guarda disse sombrio. – Ela quer vê–la.
                Pela primeira vez em muitos séculos, Kyrie perdeu a voz. Seus olhos cor de vinho se arregalaram como dois pires. Ela sussurrou algo para si mesma e depois olhou para os guardas sem nenhuma emoção nos olhos. Lucy não conseguia entender como os seus semelhantes feéricos do Inverno faziam aquilo. Como eles escondiam tão bem o que sentiam e conseguiam camuflar até a mais forte das emoções.
                – Ótimo. Avise a Rainha que eu mesma levarei Lucia.
                – Mas a Rainha...
                – Ah, que a Rainha pegue essas ordens e enfie no meio da...
                Alguém tapou os ouvidos de Lucy rapidamente. Não era certo uma garota de dez anos ouvir aquilo. Mas ela já tinha ouvido coisas piores na cidade, de comerciantes e das crianças.
                Os guardas pareciam mais constrangidos ainda, mas se retiraram sem dizer mais nada. Kyrie se virou para o resto dos ajudantes de cozinha e disse num tom autoritário:
                – Quero esse bolo perfeito quando eu voltar ouviram? Vamos ver se vocês conseguem me impressionar, seus preguiçosos. E Lucia, venha comigo.
                Lucy limpou as mãos no avental e seguiu Kyrie. Ela a levou até o quarto dos empregados, onde abriu um baú na beira de sua cama e tirou de lá um vestido azul–gelo com babados que pareciam flocos de neve. Parecia um vestido de princesa.
                – Você tem que usar isso. – ela disse, sem olhar para a garota. – Agora vá se lavar.
                Ela não demorou muito na água. Quando terminou, Kyrie a vestiu e penteou seus cabelos. Até a cozinheira parecia mais apresentável, com seu melhor vestido e o cabelo preso em um coque. Ela parecia extremamente simples perto de Lucy.
                Os corredores do castelo estavam vazios. Quanto mais chegava perto da sala do trono, mais ela sentia frio. Ninguem olhava para elas ao passar, quase como se fossem invisíveis.
                – O que a Rainha quer comigo? – Sussurrou depois de um tempo, com medo.
                – Eu não sei. – mas os olhos de Kyrie a traíram.
                A porta da Sala do Trono parecia ser enorme. Era pelo menos do tamanho de um troll adulto. E toda incrustada de jóias. Lucy não conhecia Leah, mas só de ver aquelas coisas já sabia como a Rainha deveria ser.
                Ao entrar se surpreendeu com Ethan sentado ao lado da mãe, em seu próprio trono. Realmente era enorme, Ethan parecia extremamente pequeno sentado ali, enquanto a poderosa rainha irradiava frieza. Ao perceber que Ethan não olhava para ela foi que Lucy se deu conta de que alguma coisa estava errada. E foram as próximas palavras de Leah que mudaram sua vida para sempre:
                – Olá, Lucia. Eu esperava que nunca tivéssemos que nos encontrar novamente. Mas o que posso fazer... Assinei meu destino quando decidi deixar minha filha bastarda morar no mesmo castelo que meus filhos.
––//––
                Pela primeira vez desde que se entendia por gente, Lucy já não sentia mais o constante frio da fortaleza que chamava de morada. Não enquanto estava nos braços de seu amado, deleitando–se em seus beijos quentes que deixavam sua pele em chamas. De olhos fechados, ela podia sentir claramente onde os lábios de Ethan tocavam–lhe o pescoço. Aquilo parecia mais um sonho. Tão bom, tão satisfatório, tão... Errado.
                Errado. A mente de Lucy começou a gritar, tentando impedi–la de continuar com aquilo. Era mais que errado, completamente fora das regras. Como havia se deixado levar por aquele momento? Não acreditava que poderia ser tão burra.
                 – Ethan... Não podemos... – ela tentou sussurrar, mas tudo que conseguiu foi um beijo rápido do outro, que tinha a intenção de calá–la.
                E quase conseguiu. Aquela noite havia sido a mais confusa de toda a sua vida. Tudo aconteceram em questão de segundos. Lucy se entregou novamente ao rapaz, mas os pensamentos de alerta ainda passavam por sua mente.  E ficaram mais intensos quando começou a ouvir passos vindos do corredor.
                – Ethan, nós...
                Sua frase foi interrompida pelo ranger da porta. Ethan pareceu finalmente tomar consciência de onde, com quem e o que estavam fazendo, mas foi tarde demais. Antes que pudesse tirar suas mãos dos ombros de Lucy, foi surpreendido por Kayle parada a porta com as mãos cobrindo a boca e os olhos arregalados de surpresa.
                Soltando–a, ele deu um passo em direção a jovem na porta. Kayle porem tinha outras idéias, saindo correndo enquanto tinha tempo. Ethan cerrou os dentes, e bateu com força na parede. Precisava concertar aquilo. Assoviou baixo e em uma mistura de neve e ar frio, formou–se a figura de um lobo.
                – Procure Kayle. Impeça–a de ver Leah. Agora. – ele praticamente rosnou as ordens.
                O lobo fez uma reverencia exagerada e se desfez novamente. Sem olhar nem uma vez para checar se a irmã estava bem, ele saiu andando pelos corredores, em busca da noiva. Lucy caiu na cama, aturdida. Nem ela poderia dizer se estava bem. Não sabia mais o significado dessa palavra. Repassou a noite na mente enquanto arrumava as alças do vestido.
                Havia uma festa. Leah a deixara sair da torre, talvez um milagre que não iria acontecer novamente tão cedo. Nessa festa anunciaram a nova noiva de Ethan. Até ai tudo bem... O cetro. O Bastão da Estação havia sido roubado naquela noite. Isso era mil vezes mais preocupante. Talvez, só talvez, Leah nem prestasse atenção no que Kayle tinha a dizer agora que tinha uma guerra nas mãos. E ela havia dito... Que amava Ethan! Ai Meus Deuses! Agora foi a vez de Lucy cobrir a boca com as mãos. Admitira que amava Ethan! Como isso podia estar acontecendo? Ela tinha que encontrá–lo para esclarecer tudo... Ela não podia amá–lo. Simplesmente não podia. Se Leah ouvisse aquilo, nem uma guerra deteria sua fúria...
                Como se lesse seus pensamentos, um vento gelado cortante entrou pela porta, envolvendo a garota e deixando–a paralisada. Só tinha uma pessoa que poderia fazer aquilo, e ela estava parada em frente a Lucy, avaliando a garota com seu olhar penetrante e gélido. Atrás dela, na porta, Kayle sorria maliciosamente com Ethan a tiracolo.
                Ele não havia conseguido impedi–la a tempo.

                – Siga–me, Lucia. – Leah simplesmente disse, sem demonstrar emoção nenhuma no olhar.

                Lucy evitou olhar o casal na porta quando passou atrás de Leah. Sentia as bochechas vermelhas só de pensar em Ethan e não queria trocar olhares com ele tão cedo. Mas o garoto assumia uma postura firme e um ar de indiferença enquanto a seguia com Kayle agarrada ao seu braço, se enroscando nele como uma víbora.
                A Rainha do Inverno os levou até a sala do Trono. Não havia ninguém lá. Lucy podia ouvir as brigas vindas de fora do palácio, mas o local permanecia calmo e silencioso.

                Leah se sentou em seu trono feito inteiramente de gelo. Parecia desconfortável, mas a rainha ainda não demonstrava nenhuma emoção. Apenas fitou Lucy com seu olhar frio como a neve. Todo o corpo da menina ficou gélido, como se Leah tivesse estendido a mão e tocado seu coração, espalhando o frio para o resto dos órgãos.

                – Lucia, você sabe por que está aqui não sabe? – a rainha proferiu num tom monótono.
                – Eu...

                – Por favor, não me interrompa. O Corte do Inverno tem há anos se orgulhado de seus feitos, de seu passado, de nunca ter quebrado uma regra sequer do mundo mágico. Esta noite nosso nome foi manchado, e quando eu descobrir por quem, essa pessoa ira arrepender–se de estar respirando. – ela disse calmamente. – Porém, além disso, essa noite tive uma decepção com alguém de minha própria família. Ainda lembro quando, ha dezesseis anos, quando eu fui tentada por um ser maligno que me atraiu para sua caverna.

                Lucy sabia. Conhecia aquele discurso de cor. Leah sempre o utilizava quando queria depreciar ou castigá–la de alguma forma. Ethan também já o conhecia, pois era a mesma coisa que a mãe dizia quando ele perguntava de Lucy. Para Kayle, porem, aquilo era novidade.
                – A Rainha do Inverno não deveria cometer erros. Mas você, Lucia, foi o maior erro que eu já cometi. Não passa de uma bastarda ingrata. Eu deveria ter me livrado de você quando tive a chance. – ela suspirou dramaticamente. – Mas não. Eu quis mante–la aqui. Como criada, na cozinha, mas quis. E você não pode me culpar. Que mãe se orgulharia de uma filha que nem sabe tirar um simples selo? Não sei o que deu em mim quando considerei a idéia de chamá–la de filha.
                Kayle inspirou e expirou rapidamente, até conseguir voltar seus olhos azuis gélidos para Lucy. Seu tom era de acusação e completamente venenoso:
                – Então você e Ethan são...

                – O que Lucia não percebeu é claro, – Leah disse, esboçando um de seus raros sorrisos que eram mais assustadores que sua cara fechada. – é que seu irmão não sente nada por ela. Nunca sentiu. Ela deixou–se levar por um mero sonho de criança. – os olhos de Lucy se encheram de lágrimas e ela olhou para Ethan em busca de uma reação negativa, mas o garoto nem prestava atenção nela. – Um membro de verdade da Corte do Inverno nunca deixa suas emoções ficarem no caminho. Eu te disse isso, Lucia, se você quisesse sobreviver aqui teria que pensar como uma de nós. Mas seus genes te impedem, te deixam fraca, e os Seres do Inverno atacam os mais fracos. Eles vão te envolver com jogos e palavras bonitas, e sentirão prazer com sua miséria. Não os deixem chegar até você. E não confie em ninguém.

                – Não! – Lucy gritou, soluçando. – Não é verdade! Ethan...
                – Diga a ela, meu filho.
                Lucy lançou para ele um olhar suplicante. Ela não agüentaria mais uma facada no coração em menos de vinte e quatro horas.
                – Ethan...
                Ele olhou diretamente para ela e falou bem alto e claro, para que todos ali presentes ouvissem:
                – Ela esta certa, Lucia. Eu não sinto nada por você. Os acontecimentos dessa noite não significaram nada.
                Leah e Kayle sorriam maldosamente. Lucy sentiu seu coração se despedaçar. Não confie em ninguém. As palavras de Kyrie vieram a sua mente. Ela devia ter seguido essa regra enquanto tinha tempo.
                – Viu Lucia? Agora, renuncie o seu amor e poderá escapar das conseqüências. – Leah quase cantarolou.
                Ela não conseguia tirar os olhos de Ethan. O rapaz também a encarava, mas sem um pingo de ressentimento pelo o que dissera. 
                – Não. – ela soluçou. – Não... Eu não...
                – Que assim seja. – Leah suspirou, não parecendo nem um pouco infeliz. – Lucia, sangue do meu sangue, você de hoje em diante está banida de Névoa. Até segunda ordem, deve permanecer no mundo dos Mortais, como uma Troca. Vivera como uma exilada e não poderá revelar sua condição a ninguém. Hoje eu, Leah rainha do Inverno, tiro seu selo para que possa usar seus poderes sem limitações.
                Essas foram as ultimas palavras que Lucy ouvira após tudo ficar escuro.

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